* Dados da autora: Promotora de Justiça e Coordenadora da Caravana da Pessoa Idosa
A sociedade brasileira tem despertado para as distorções que ela mesma reproduz em relação
ao tratamento dispensado a homens e mulheres, quer seja na esfera familiar, comunitária ou
profissional, de modo a perceber o pesado fardo que recai sobre estas. A situação agrava-se
ainda mais quando falamos em mulher idosa.
O modelo econômico vigente, com ênfase no lucro e na produtividade, visualiza o ciclo da
vida em fases: pré-produtiva (1ª idade), produtiva (2ª idade) e pós-produtiva (3ª idade),
sendo essa última etapa vista como um ônus para a sociedade, fonte de despesas, sem
qualquer perspectiva de geração de lucro e causa de desperdício de tempo dos familiares
aptos ao trabalho.
Tal raciocínio subliminarmente contribuiu para que o Estado desenvolvesse, na área de saúde,
políticas públicas voltadas para as mulheres, priorizando o segmento das que estão em idade
produtiva (2ª idade), tanto para o trabalho, quanto para geração filhos. Ou seja, mais mãode-
obra e consumidores para o sistema.
Assim, as mulheres que estavam fora desta fase da vida eram atendidas sem qualquer
especificidade. Atualmente, existe uma diversidade de atendimentos à mulher na rede pública,
contudo os esforços não têm sido suficientes, posto que é entre as mulheres idosas que mais
cresce, por exemplo, a ocorrência da AIDS.
A mulher em todo o ciclo de vida é mais suscetível à violência. Na terceira idade, ela se
caracteriza pelas agressões físicas, sexuais, psicológicas e pelos abusos financeiros, ocorridos
em sua maioria no ambiente doméstico. Algumas famílias, acreditando que a idosa não tem
mais qualquer serventia, segregam-na, promovendo seu internamento em Instituição de Longa
Permanência (ILPI s). Conforme apurado em pesquisa promovida pelo Ministério Público de
Pernambuco (MPPE) em 2006 junto as ILPI s do Recife, para cada homem institucionalizado
havia três mulheres na mesma situação.
Outra forma de violência de alcance generalizado é a estigmatização do segmento, a justificar
a prática de várias condutas que atentam até contra os direitos fundamentais do indivíduo.
A percepção dominante é de que a pessoa idosa não tem aspirações ou vontade própria, só
tem que aguardar a morte, de preferência sem dar trabalho para os filhos, que decidem
sobre sua vida, inclusive recebendo seus proventos.
Tal interpretação, a priori, pode parecer cruel, contudo, basta recordar as imagens consagradas
nos livros escolares para constatar a procedência da assertiva, já que neles não há a descrição
de pessoas ativas, o estereótipo é de uma velhinha encurvada, de óculos redondos, tricotando
numa cadeira de balanço ou um idoso de pijamas, com dificuldades de audição e de andar,
que não se lembra do que conversou no dia anterior.
A sociedade ainda estimula, a pretexto de ser uma demonstração de carinho, a infantilização
e, desse modo, legitima que uma pessoa maior de idade e legalmente capaz, seja tratada
como uma criança somente por ser longeva, incapaz de gerir sua existência. Admite-se,
assim, a privação da faculdade de decidir o que comer, o que vestir, onde morar, aonde ir e
com quem conviver.
A infantilização é caracterizada pelo tratamento dispensado à pessoa idosa, utilizando palavras
no diminutivo, a exemplo de Oh! Vozinha quer uma aguinha? , reforçando, então, a idéia
de incapacidade e de que suas pretensões não são relevantes.
A realidade da pessoa idosa assume contornos dramáticos quando se verifica a baixa
escolaridade, a educação das mulheres voltadas para o matrimônio e a obediência ao esposo
a própria assimilação dos valores acima retratados e pela inabilidade para lutar por seus
interesses, pois vivenciaram um longo momento político adverso a questionamentos sociais.
Ademais, os próprios movimentos sociais das mulheres ainda não incorporam a causa da
mulher idosa no seu escopo de reivindicações; basta navegarmos na internet para constatar
isso, sem mencionar algumas desavisadas militantes que chegaram a afirmar que a Lei
Maria da Penha não se aplicava a mulher idosa, a quem se aplicaria apenas o Estatuto do
Idoso, como se a idade fizesse a idosa perder o gênero feminino.
Artigo retirado da cartilha: Lei Maria da Penha: o Ministério Público e o combate à violência doméstica e familiar
contra a mulher / coordenação, CAOP Cidadania ; organização, Marco Aurélio Farias da
Silva ; colaboração, Yélena de Fátima Monteiro Araújo. Recife : Procuradoria Geral de
Justiça, 2007.