*Autoria
Irene Cardoso Sousa
Yélena de Fátima Monteiro Araújo
1. Educação
O acesso à educação é fundamental a todo ser humano e
independentemente da idade, visto que possibilita adquirir
conhecimentos, interagir e modificar o ambiente em que vive. A
UNESCO, assim, preconiza que a educação deve se estender por
toda a vida, de maneira a propiciar conhecimento dinâmico do
mundo, dos outros e de si mesmo.
Igualmente, a compreensão dos direitos e, consequentemente, do
exercício da cidadania cresce exponencialmente com o avanço da
escolaridade. Nesta mesma lógica, pesquisas, tanto institucionais,
a exemplo da realizada pelo Ministério Público do Acre, quanto
pesquisas de campo da área de saúde, apontam redução do índice
de violência à medida que aumenta o nível acadêmico da vítima.
Infelizmente, no Brasil, o índice de analfabetismo entre idosos é de
32% (com menos de um ano de estudo), sendo a média 4,4 anos
de estudo (SIS-2012). Somam-se a isto, os dados do IPEA (2006)
de que 70% das ocorrências de violência envolvendo idosos não
são notificadas, o que tem onerado o sistema de saúde ao prestar
assistência às vitimas, passando, inclusive, a adotar a Ficha
de Notificação Compulsória. Tais dados por si só legitimariam
investimentos em educação para as pessoas idosas.
Todavia, a escola é vista como habitat quase que exclusivo da
criança e do adolescente, com alguma abertura para o jovem e
adulto que não frequentaram a escola no tempo devido, sendo
verdadeiras exceções os espaços educacionais para idosos.
Estes, na época de infância e juventude, vivenciaram um contexto
em que a educação não era prioridade para as famílias, o mercado
não exigia mão de obra tão qualificada, não se punia o trabalho
infantil e as mulheres eram preparadas para o desempenho de
serviços domésticos e para o casamento.
Apesar da Lei 8.842/1994, que instituiu a Política Nacional do Idoso,
mencionar a necessidade de uma educação formal específica para
pessoa idosa, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada
dois anos depois, foi omissa sobre a questão. O próprio Plano
Nacional de Educação que ora tramita no Congresso Nacional é
silente.
Por outro lado, a ideia da supremacia da beleza, da juventude e da
rapidez dos reflexos que associa a feiura, a inutilidade e a lentidão
de reflexos à velhice tem reforço na cultura social predominante
que impõe a prevalência de cursos para pessoas idosas com
caráter eminentemente recreativo há preencher o tempo livre.
Tal estigma já está tão consolidado que até as nomenclaturas
utilizadas pela economia capitalista replicam esse entendimento,
ao definirem a primeira idade (infância e adolescência) como fase
pré-produtiva, a segunda (adulta) como produtiva e a terceira
(velhice) como pós-produtiva ou improdutiva, consequentemente
descartável.
Essa visão das etapas da vida também está massificada entre os
próprios idosos, conforme percebemos pelo comentário de uma
senhora de 62 anos, que, mesmo reconhecendo como verdadeiro
esse raciocínio, procura romper essa restrição.
(…) os mais jovens da minha família não estranham muito a minha
opção por estudar novamente, porém deixam claro que não vai
durar muito, que vou desistir logo, pois acreditam que é apenas
uma mania, um modismo meu e que logo, logo vou acabar me
cansando de assistir às aulas ou fazer as atividades que o curso
impõem. Meus sobrinhos acham que eu deveria fazer cursos de
culinária, coral ou pintura. Acho tudo isso muito bom, mas quero,
também, fazer coisas que possam ajudar a melhorar minha cultura
geral. Só porque sou velha não preciso aprender mais nada?.
Felizmente a ciência rechaça o mito de incapacidade de
desenvolvimento intelectual desse segmento e a educação seria
um meio a alterar essa cultura discriminatória, de maneira que
toda sociedade passasse a perceber os idosos como seres em
desenvolvimento, pois este processo somente se interrompe com
a morte.
Uma das poucas iniciativas exitosas tem sido as universidades
abertas da terceira idade, que possibilitam a conscientização dos
idosos como sujeitos de direitos, a adquirir novos conhecimentos
e a transmitir seus saberes, ao mesmo tempo que os aproxima da
comunidade, fazendo a ruptura do estigma de serem obsoletos e
improdutivos. Desse modo, lembra Alencar:
Com os idosos, a universidade passa a ter usuários
de diferentes perfis, sem exigências de quaisquer
requisitos, senado a idade mínima […]. Com os
idosos, a universidade se aproxima da comunidade
e altera o seu perfil. Esse idoso que (re)torna a
universidade e dotado de experiências as mais
variadas: já exerceu (ou ainda exerce) uma profissão,
desenvolveu atividades múltiplas na sociedade
produtiva, viveu as mais diferentes experiências
nos grupos afetivos; busca a aprendizagem como
relação de complementaridade, de emancipação,
de esclarecimento, de instrumentalização da sua
capacidade critica diante do mundo e realidade onde
se encontra. Carregando e processando ideias, com
equilíbrio emocional, expectativas, afetos, decepções,
frustrações, experiências, desejos, serenidade, esses
idosos desejam aprender pelo prazer de aprender.
Assim sendo, as novas gerações também seriam beneficiadas
com a convivência, haja vista a troca de experiências, a contribuir
para construção de uma sociedade mais solidária e plural, com
igualdade de oportunidades para crianças, idosos, mulheres,
negros, pessoas com deficiência, observadas suas especificidades.
Afinal, como diz Paulo Freire, “a educação é comunicação, é
dialogo, na medida em que não é a transferência de saber, mas
um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação
dos significados” (Freire, 1988, p. 69).
2. Cultura e lazer
O corpo humano se modifica com o passar do tempo, mas a
mente pode seguir um ritmo totalmente distinto, desde que
haja continuidade de estímulos. A educação propriamente dita
propicia o desenvolvimento intelectual, bem como a participação
em atividades culturais e de lazer. Ludicamente, defrontamonos
com estórias, imagens e sons a possibilitar conhecer outras
vivências e a resignificar as nossas próprias, de modo a favorecer
o desenvolvimento psicossocial.
Porém, as escolhas de qual atividade realizar dependem da
estória de cada um, de sua condição de vida e de saúde. Afinal, é
difícil imaginar um idoso sem ter concluído o ensino fundamental
– dentre aqueles 62% apontados pelo IBGE (SIS/ 2012), que
ganham até dois salários mínimos e são esteio de família, com
disponibilidade financeira – a apreciar um espetáculo de ópera.
Mas razoável supor interesse dele em assistir uma partida de
futebol ou participar de um baile, visto que talvez estivesse em
melhor sintonia com suas experiências de vida.
Vale, ainda, recordar as palavras de JohannesDoll quanto à origem
dos obstáculos ao lazer pelo segmento ora em evidência:
Os idosos sofrem os efeitos de barreiras ao lazer,
advindas de três fontes. A primeira provém da
sociedade, quando não oferece espaços de lazer,
por causa da imagem e do papel social atribuído
aos idosos. A segunda diz respeito a impedimentos
concretos dos idosos para realizar determinadas
atividades, uma vez que as pessoas precisam de certa
competência e de certa performance, que podem ser
prejudicadas por doenças ou por idade avançada. A
terceira refere-se a resistências internas, muitas vezes
provenientes do próprio imaginário dos idosos, que
os impede de se envolver em certas atividades, a
exemplo da musculação, posto que geralmente ocorre
em ambientes onde predominam corpos jovens.
É provável que o referido raciocínio encontre suporte fático
nos dados da pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC, que
menciona os idosos (72%) preferirem executar atividades de lazer
dentro de casa. O que confirma as referências internacionais.
Em nosso país, os espaços construídos especificamente para fins
culturais, como teatros, cinemas e museus, são poucos e restritos
aos centros urbanos ainda mais tendo em vista que a indústria do
espetáculo produz eventos eminentemente para público jovem,
como os shows de rock, tornando-se claro como as pessoas idosas
estão excluídos de consumir tais bens imateriais.
Em que pese o Estatuto do Idoso, precisamente art. 23, prevê
desconto de 50% nos ingressos para eventos artísticos, culturais,
esportivos e de lazer, porém apenas 52% do público-alvo
conhecem esses direitos e somente 12% o utilizaram ao menos
uma vez, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo/SESC
(2007, p.116).
Para dificultar ainda mais o acesso dos idosos a cultura e ao lazer,
tramita no Congresso Nacional projeto de lei, objetivando limitar
direito ao desconto nos ingressos. Isso, na prática, inviabilizará a
utilização do próprio direito, visto a incerteza de ir ao local sem
saber se conseguirá o desconto, pois o idoso competirá pelo
ingresso com outras categorias com direito a meio entrada, como
estudantes e pessoas com deficiência.
Particularmente, não visualizamos qualquer argumento técnico
na própria propositura a justificar essa alteração legal. Aliás,
entendemos que o idoso, ao ter mais disponibilidade de tempo e
evitar horários de pico e de aglomerações, proporcionaria maior
rentabilidade do empreendimento, já que reduz os períodos
ociosos. Ao mesmo tempo em que pode gerar um incremento nas
vendas em razão de os idosos, muitas vezes, irem acompanhados
de pessoas que não gozam do beneficio do desconto.
3. Esporte
Segundo Deecken, toda pessoa possui três dimensões de idades.
Uma cronológica, em referência ao número de anos que viveu uma
biológica indicando o estado do organismo, e uma psicológica,
relacionada com a percepção que o indivíduo tem de si.
No entanto, socialmente, são os aspectos físicos que chamam
mais atenção para o envelhecimento. O corpo entra em declínio
fisiológico, sobressaindo a perda da massa muscular e óssea, a
redução da força muscular, da flexibilidade, do equilíbrio, aumento
do risco de comprometimento cardíaco e pulmonar, alterações
hormonais e do sistema imunológico. Não obstante, o processo de
envelhecimento ser irreversível, é possível minimizar seus efeitos
com a prática de atividade física e uma alimentação balanceada,
conforme orientam os profissionais de saúde, nutrição e educação
física, sendo essa recomendação um imperativo em se tratando
de pessoa idosa.
Importante registrar que estamos falando objetivamente de
atividade física orientada por umprofissional, não sendo cabível
compará-la com a simples realização de tarefas domésticas. Apesar
desta ser preferível à inatividade, os benefícios são totalmente
distintos. Intuitivamente já sabemos disso, basta relembrar
quantas vezes ouvimos alguém dizer que seu rendimento de um
modo geral havia melhorado após iniciar ou mudar de prática
esportiva, mesmo que nos primeiros dias tenha sentido músculos
que sequer sabia possuir.
A continuidade de exercícios físicos terá efeito positivo
sobre organismo, precisamente nos órgãos e funções acima
mencionados, além de melhorar o desempenho de atividades da
vida diária. Estas são assim compreendidas:
As atividades de vida diária (AVD) são as tarefas de desempenho
ocupacional que o indivíduo realiza diariamente. Não se resume
somente aos auto–cuidados de vestir-se, alimentar-se, arrumarse,
tomar banho, e pentear-se, mas englobam também as
habilidades de usar telefone, escrever, manipular livros, etc..
além da capacidade de virar-se na cama, sentar-se, mover-se e
transferir-se de um lugar a outro.
Por outro lado é comum idosos fisicamente fragilizados perderem
o exercício de seus direitos para terceiros, em face de confusão do
que seja autonomia e independência. Esta compreendida como
habilidade de exercer atividades da vida diária, enquanto aquela é
capacidade da pessoa de decidir o seu próprio destino e entender
o que ocorre em sua volta. Exemplificando, um idoso que tem
dificuldade de mobilidade, isto é, dependente de instrumento
de apoio como uma bengala, pode decidir como investir seu
dinheiro por ter discernimento para tanto, ou seja, autônomo. Já
o contrário também pode acontecer, a pessoa está fisicamente
bem, porém mentalmente comprometido.
A realização de exercícios físicos de mesma forma auxilia no
tratamento de perturbações mentais como a depressão, haja
vista a liberação de endorfinas, que são hormônios ligados ao
prazer, melhorando o humor, o sono, a disposição física e sistema
imunológico.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) no final dos anos 90
passou adotar a expressão envelhecimento ativo, desassociando
a velhice a doenças. O Brasil reconheceu oficialmente a correlação
entre saúde e atividade física quando aderiu o Plano de Ação
Internacional para o Envelhecimento de 2002, resultante da II
Assembleia Mundial para Envelhecimento promovida pela ONU
em Madri, Espanha.
Contudo, devemos ter muita cautela com os discursos que exaltam
a responsabilidade do individuo de se auto cuidar, precisamente,
de realizar exercícios, erradicar o tabagismo, controlar o uso
de bebida alcoólica e de ter uma alimentação saudável, sob
pena de minimizar ou até mesmo encobrir a responsabilidade
do Estado e do mercado na promoção da saúde, com oferta de
serviços e de estímulos a uma vida mais equilibrada. Enfatizamos
também a responsabilidade deste, posto que muitas empresas
comprometem o envelhecimento de seus funcionários/
colaboradores a medida que exigem um incremento na produção,
ignorando se eles dormiram bem, alimentaram corretamente e se
praticaram exercícios.
Mas é obvio a prevalência do dever estatal em elaborar estratégias
de promoção à saúde, consciente de que as desigualdades
sociais interferem no processo de envelhecimento da população.
Empiricamente, entendemos este impacto ao relacionar a imagem
de duas crianças recém-nascidas com a de dois idosos da mesma
idade. Na primeira situação, não é possível fazer distinção entre
os bebês, quanto ao nível de renda ou condições de vida, porém
certamente podemos estimar em relação aos idosos, a própria
postura, as condições da pele, das mãos revelam se um deles foi
trabalhador da agriculta ou empresário.
Considerações finais
Percebemos, então, que a qualidade em que se dá o processo
de envelhecimento tem estreita relação com as condições
socioeconômicas vivenciadas pela população. Ao mesmo tempo,
que a implementação de políticas públicas de educação, cultura,
lazer e da prática atividades físicas, voltadas para pessoas idosas,
contribuirá para que eles se vejam como sujeitos de direitos a
influir na diretrizes do Estado, não somente participando com o
voto.
Assim procedendo, aumenta o prognóstico de termos uma
sociedade em que seus membros se vejam e se respeitem em
todas as fases da vida, em especial garantindo uma velhice digna
e com qualidade de vida para as pessoas que agora tem mais de
60 anos, como também para as gerações futuras de idosos.
Fonte: Estatuto do Idoso. Dignidade humana como foco / Daizy ValmorbidaStepansky,
Waldir Macieira da Costa Filho, Neusa Pivatto Muller (Orgs.),
– Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013.
Acessado em: http://www.ampid.org.br/v1/?page_id=484